Cartas da América

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Capa do livro “Stefan e Lotte Zweig, Cartas da América – Rio, Buenos Aires e Nova York 1940-42”  (crédito: Divulgação)

Única série de cartas de Lotte Zweig de que se tem notícia, e o maior conjunto de correspondências escrito por Stefan Zweig na América do Sul, são lançadas no Brasil 70 anos após a morte do casal e lançam nova luz sobre a biografia do autor e de sua mulher.

Organização e introdução: Darién J.Davis e Oliver Marshall
Tradução:Eduardo Silva e Graça Salgado

As muitas especulações sobre a relação do escritor Stefan Zweig com o governo e o povo brasileiros, sobre seu casamento com Lotte Zweig e os últimos anos de vida do casal durante o exílio no Brasil, enfim, serão esclarecidas. Em obra póstuma e pelos próprios protagonistas. A Versal Editores lança, este mês, “Stefan e Lotte Zweig, Cartas da América – Rio, Buenos Aires e Nova York 1940-42”, livro com a única série de cartas escritas por Lotte Zweig de que se tem notícia, e a maior série de cartas escritas por Stefan Zweig na América do Sul.

A obra é lançada em 2012 no Brasil não por acaso. Há 70 anos Stefan e Lotte cometeram suicídio na casa de número 34, na Rua Gonçalves Dias, em Petrópolis (RJ), local onde será inaugurada, também em julho, a “Casa Stefan Zweig”, memorial dedicado aos refugiados da Europa nazista durante os anos 1930 e 1940.

A natureza íntima da correspondência acrescenta muito ao conhecimento sobre o casal – inclusive o esforço desesperado de ambos para obter refúgio para amigos e colegas escritores tentando escapar da Europa, as mudanças bruscas de humor de Stefan, a asma de Lotte, as frustrações e os vazios do exílio, a ansiedade de ter de lidar com as incertezas, e os desafios de viajar, escrever e trabalhar juntos.

Também como mostram estas cartas, Lotte estava longe de ser uma mulher silenciosa e não tinha medo de expressar suas opiniões, revelação que vai de encontro à tendência de pesquisadores, biógrafos e jornalistas de ignorá-la, tratando-a como uma jovem esposa tímida e submissa ao grande marido, muito fraca para ter qualquer impacto real sobre suas atitudes, ações ou trabalho.

Apesar de ser muito mais jovem do que ele, e pertencer a uma família menos rica, Lotte vinha de um meio social próspero e com valores culturais semelhantes aos dele. Como o marido, ela também era multilíngue, sabia escrever e falar em inglês, francês e alemão, entendia iídiche e, durante sua estadia na América do Sul, aprendeu português e espanhol. Mas o que suas cartas revelam, fundamentalmente, é uma voz feminina forte e pessoal, que possibilita um entendimento mais completo de sua própria saúde física e mental e permite uma nova visão sobre o casal Stefan e Lotte Zweig.

As cartas foram escritas para membros da família de Lotte, quase sempre para seu irmão Manfred e sua cunhada Hannah Altmann, geralmente com intervalos de uma ou duas vezes por semana. Em muitas cartas Stefan Zweig expressa seus agradecimentos aos Altmanns por administrarem seus negócios na Inglaterra – em particular por cuidarem da casa em Bath (Inglaterra), mas também por lidarem com seu editor em Londres e cuidarem de outros assuntos financeiros. Além desses problemas práticos, contudo, as cartas revelam ainda afeição sincera pelos cunhados. Por meio de sua jovem esposa Lotte, Stefan Zweig havia encontrado também uma nova família.

Às vezes otimistas, cada vez mais melancólicas, mas também muito espirituosas, revelando um senso de humor sarcástico, as cartas de Stefan e Lotte Zweig retratam claramente as oscilações de humor do casal durante seus últimos anos de vida. Desde que foram festejados como celebridades ao visitarem a Argentina e o Brasil em 1940-41, até ao autoimposto isolamento em Petrópolis em 1941-2, a correspondência faz a crônica minuciosa do gradual declínio dos Zweigs.

TRECHOS

3 de outubro de 1941, por Stefan Zweig

Nos sentimos extremamente felizes aqui, o pequeno bangalô com sua grande varanda coberta (que é a nossa sala de estar) tem uma esplêndida vista para as montanhas e logo em frente um minúsculo cafehaus, chamado “Café Elegante”, onde posso tomar um delicioso café por meio tostão [halfpenny] e aproveitar a companhia dos tropeiros negros. (…) Eu jamais poderia imaginar que em meu sexagésimo aniversário estaria sentado num vilarejo brasileiro, servido por uma jovem negra descalça, e a milhas e milhas de distância de tudo que foi antes minha vida, livros, concertos, amigos, convivência.


10 de fevereiro de 1942, por Lotte Zweig

Como você pode ver, estou me identificando cada vez mais com a mentalidade daquelas mulheres que antigamente mematavam de tédio, e também estouentendendo melhor agora as mulheres de escritores que nem sempre querem ouvir a conversa inteligente de seusrespectivos maridos, mas preferemdiscutir problemas de mulher entre elas mesmas. Eu simplesmente preciso falar sobre essas pequenas coisas, como odia em que minha empregada precisoude papel-manteiga para um bolo e usou o papel de um queijo tilsit, ou que ela usa o pente do cachorro para sepentear (felizmente ambos são muito limpos) eoutras coisas interessantes.

Stefan e Lotte Zweig, Cartas da América – Rio, Buenos Aires e Nova York 1940-42
EDITORA: Versal Editores
ORGANIZAÇÃO E INTRODUÇÃO: Darién J.Davis e Oliver Marshall
TRADUÇÃO: Eduardo Silva e Graça Salgado
284 páginas //16x23cm // R$ 47

Stefan Zweig, romancista, ensaísta, biógrafo, dramaturgo e pacifista, nasceu em Viena, em 1881, no seio de uma rica família austro-judaica. Nas décadas de 1920 e 1930, Zweig desfrutou de grande renome literário e foi um dos autores mais traduzidos em todo o mundo. Com a ascensão do nazismo, mudou-se para a Inglaterra e ali se tornou súdito britânico em 1940. Depois de uma turnê de conferências pela América do Sul e de um período em Nova York, mudou-se para o Brasil, onde, em 1942, desesperançado com o futuro da Europa, ele e sua mulher cometeram duplo suicídio.

Lotte Zweig (née Altmann) nasceu em 1908 em uma família de comerciantes de classe média da cidade prussiana de Kattowitz. Logo depois que Hitler assumiu o poder na Alemanha, Lotte mudou-se para Londres. Em 1934, foi contratada por Stefan Zweig como secretária multilíngue e assistente de pesquisa. Os dois se casaram em 1939 e, no ano seguinte, deixaram sua casa na elegante cidade de Bath, na Inglaterra, e partiram para as Américas.


AUTORES

Darién J.Davis é professor de História do Middlebury College, no estado de Vermont, Estados Unidos. Publicou livros sobre raça, migração e história intelectual e cultural do século XX.
Oliver Marshall é historiador independente estabelecido em Londres, Inglaterra. Publicou livros sobre a história da América do Sul e das migrações internacionais. Foipesquisador associado do Centro de Estudos Brasileiros e do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford.

TRADUTORES

Maria das Graças de Santana Salgado é professora adjunta de Língua Inglesa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ.
Eduardo Silva é pesquisador da Fundação casa de Rui Barbosa e do CNPq.

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